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A Moralidade da Delação Premiada | Advogado Criminal - Advogado Marcelo Fidalgo

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Uma das maiores críticas a delação premiada é ela premiar a imoralidade, a traição. Para alguns desses doutrinadores, o Estado não pode incentivar, através de benefícios aos delatores, ações estritamente imorais, independente do objetivo que se busca atingir. O fim, o esclarecimento e a prevenção de crimes, não justificaria o meio, o incentivo a traição entre comparsas. ­­

Esses doutrinadores argumentam que a traição, além de ser imoral, possui formas tipificadas como agravantes em nosso Código Penal, o que demonstra que o próprio Direito já identificou essa prática como ilegal e antijurídica. Em seu artigo 61, o Código Penal estabelece que a traição é uma circunstância que sempre agrava a pena; o artigo 121, §2, IV estabelece que a traição é uma qualificadora do crime de homicídio, aumentando a pena de seis a vinte anos para de doze a trinta anos; o abuso de confiança é uma qualificadora do furto. Além do mais, a delação seria um egoísmo exacerbado do delator que condena seus coautores e partícipes em busca de uma pena menor.

A Moralidade da Delação Premiada | Advogado Criminal - Advogado Marcelo Fidalgo

O conceituado advogado criminal Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, em palestra, afirmou sobre os motivos pelos quais deixou a defesa de Alberto Youssef, um dos principais réus da Operação Lava Jato: “Eu não advogo para quem delata, até porque ele ia delatar 50 clientes meu”.[1]

Até a própria presidenta da República, Dilma Roussef, criticou a delação premiada por sua perspectiva moral. Segundo ela:

"Eu não respeito um delator, até porque eu estive presa na ditadura e sei o que é. Tentaram me transformar em delatora, a ditadura fazia isso com as pessoas. Eu garanto para vocês: eu resisti bravamente e até em alguns momentos fui mal interpretada quando disse que, em tortura, a gente tem de resistir porque, senão, você entrega. Não respeito nenhum, nenhuma fala"[2].

O promotor e professor Marcelo Batlouni Mendroni discorda dessa visão e considera que não há imoralidade na delação.

“Alguns sustentam, por isso mesmo, que se reveste de prática antiética. Não concordamos com este raciocínio porque se busca exatamente a aplicação de um instrumento previsto em lei – trazido, portanto, ao mundo jurídico, que tem a finalidade de tornar mais eficiente a aplicação da justiça, exatamente nos casos mais graves, que abalem de forma mais agressiva a ordem pública. Permite-se o afrouxamento de uma punição pela facilitação da ação da justiça em face do objetivo de coibir a continuidade ou majoração da prática criminosa de maior vulto e/ou intensidade. Bem aplicado, torna a investigação mais rápida e mais eficiente. Além do mais, pode-se considerar que a “ética” seja um valor moral de menor agressividade do que a prática de um crime, ou melhor, do crime que comporta a aplicação da medida de delação premiada. Na hipótese do confronto de ambos, não parece incoerente sacrificar tópicos de ética em troca da restauração da ordem pública abalada pela prática do crime grave.”[3]

Mendroni, portanto, não discute a imoralidade ou falta de ética da delação premiada; considera isso um fato. Para ele, no entanto, é um caso de ponderação de princípios de valores jurídicos. A preservação de um bem jurídico, a prevenção de crimes, o esclarecimento de crimes que já ocorreram, a punição de criminosos seriam valores superiores e deveriam prevalecer a “moral” da não-traição.

David Teixeira de Azevedo, professor da Universidade de São Paulo, defende que a delação premiada é um instituto jurídico ético[4].

“A ética da delação premiada está comprometida com a afirmação dos valores essenciais de convivência (proteção de bens jurídicos fundamentais à vida em sociedade) sobre os desvalores próprios de um determinado grupo criminoso, cuja proeminência axiológica encontra-se na fidelidade que deve interceder entre os membros da organização delituosa ou entre os comparsas do crime.”

Portanto, a delação seria ética por ser voltada ao combate à atividades criminosas, essencialmente imorais; sua eticidade estaria em ser uma ferramenta de combate a atividades essencialmente antiéticas.

Note-se que poderia haver um problema nesse argumento da eticidade da delação premiada. Se a delação é ética por combater ações criminosas, qualquer ferramenta de combate ao crime organizado seria considerada da mesma forma; desta maneira, caso fossem liberadas pela lei, poderia se defender combate ao crime organizado através de torturas, invasão de domicílio, violações de sigilo e outras formas de limitação de direito individual. Portanto, a ética da delação premiada deverá advir de outro fator.

Uma argumentação correta sobre ser ética ou não a delação deve analisar a própria delação e não seus fins; por isso, deve-se questionar se realmente é um fato que a delação e a traição são imorais para a nossa sociedade e para o nosso sistema jurídico. O próprio Teixeira afirma essa visão ao discordar que a delação vai de encontro a moralidade jurídica ou da sociedade, só desrespeitando a moral da própria organização criminosa, que não tem nada de jurídica e é restrita a esse grupo. Não haveria imoralidade em delação de crimes, segundo essa lógica.

Uma analogia interessante, para se analisar a ética da delação, pode ser traçada com as interceptações telefônicas. Poucos discordam que escutar ligações telefônicas alheias é um fato imoral, sem considerar o fato de ser ilegal. Porém, seria imoral, devido a esse fato, a utilização de interceptações telefônicas na investigação criminal? A resposta é não. Não pelo fato de ela estar sendo utilizada para reprovar um fato criminoso, também imoral, mas também por isso; deve haver um juízo de valor, uma ponderação entre diversas moralidades. Deve-se ponderar o quanto essa ferramenta atinge a moral dos indivíduos, quais os malefícios que sua aplicação poderá causar a sociedade, contra os benefícios que sua investigação poderá trazer. No caso da interceptação telefônica, a Constituição Federal, já estabeleceu, no Art. 5º, XII, que o sigilo telefônico poderá ser quebrado “para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Note-se que a interceptação telefônica não é justificável por estar sendo utilizada com fim de combate a criminalidade, pois isso justificaria o fim do sigilo telefônico. O que existe em nosso ordenamento é a quebra do sigilo em casos extremos; o criminoso não terá a garantia de que seus crimes serão acobertados pelo sigilo telefônico.

Essa liberação, para casos específicos, feita pela Constituição Federal as interceptações telefônicas poderá ser utilizada como comparação com a delação premiada. Se for considerada que a delação não deverá ser utilizada por ser imoral, a mesma conclusão deverá ser aplicada para as quebras de sigilo bancário, fiscal, para as ações de busca apreensão, etc. Em última análise, até o depoimento de uma testemunha de homicídio em processo poderiam ser considerados imorais já que, por mais que ele não tenha um laço de irmandade com o réu, ele irá delatá-lo e o réu sofrerá as consequências dessa delação. Um ato considerado genericamente como imoral, a delação, não é necessariamente, quando analisado especificamente, a delação de um crime, imoral.

Apesar de a traição constar no sistema penal como agravante de crimes e como qualificadora do homicídio e do furto, é de grande relevância que a traição, isoladamente, não é considerada crime. A traição apenas aumenta a reprovabilidade de um crime quando associada a este. Não é um ato de traição isolado que é considerado como imoral em nosso ordenamento, mas o ato de trair conjugado com outro crime. Portanto, a delação, uma traição para impedir a realização de um crime e esclarecê-lo, é o contrário dos casos descritos na lei como crime: é um ato ético e juridicamente incentivado.

A delação deve ser vista não como uma forma de levar o delator a um desvio moral, mas ao contrário, leva-lo a correção moral. A delação, teoricamente, faz o delator aceitar os valores da sociedade, assumindo-os e renegando seu passado criminal ao informar seus atos e entregar seus comparsas. A delação, por esse ponto de vista, opera um dos principais objetivos da sociedade, a reformulação do agente criminoso. Assim, a delação, ao invés de incentivar o comportamento antiético, leva o delator, incentivado pelos benefícios desse instrumento, a obedecer aos valores ético-jurídicos da sociedade. Por isso, a delação é um ato moral.

[1] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/08/1665256-nao-advogo-para-delator-ate-porque-ia-delatar-clientes-meus-diz-kakay.shtml

[2] http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/06/nao-respeito-um-delator-diz-dilma.html

[3] Mendroni, Marcelo Batlouni – Crime Organizado: aspectos gerais e mecanismos legais – 3. Ed. – São Paulo: Atlas, 2009, p.82

[4] TEIXEIRA DE AZEVEDO, DAVID. Delação premiada e direito de defesa. São Paulo: Boletim IBCCRIM, dez. 2014, v.22, n. 265, p. 4-5.

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